segunda-feira, 25 de setembro de 2017

NO AR 2017: Diversidade e alta qualidade marcam a melhor edição do festival.

Esse ano o Coquetel Molotov se superou em todos os aspectos (técnicos, estruturais, de grade e de produção) e entregou a melhor edição de sua história. Depois das dificuldades do ano passado, a equipe parece ter ouvido com bastante atenção todas as demandas do público e conseguiu entregar um festival de altíssimo padrão, e o melhor, com uma curadoria 100% assertiva para vários gostos, reunindo públicos diferentes em uma mesma voz: o respeito e a liberdade! Essa foi a marca dessa edição, a diversidade estava no ar!

Arnaldo Baptista no palco Velvet.


Mesmo tendo frequentado outras edições do Coquetel Molotov, além de alguns festivais no Brasil, e no exterior como o NXNW, e foi notável a qualidade sonora e de estrutura que o Coquetel Molotov entregou esse ano. Dava pra conversar perto de qualquer palco, o som se espalhava de forma uniforme, com as frequências nítidas, o sub grave bem controlado (sem aquele excesso que costumamos ouvir em vários festivais da cidade); o que o Coquetel Molotov entregou não foi altura, mas alta qualidade de som para apreciadores de música com frequências bem mixadas em cada palco, com foco no mais importante: a música! Isso, por si, já teria sido um grande 10 para qualquer festival, mas a estrutura e o cuidado em cada detalhe estava presente para as mais de 8 mil pessoas presentes. Descentralização de compra de fichas, comida, bebidas, banheiro, tudo foi pensado para que o público tivesse o máximo de conforto. Aliás, estava tão confortável circular entre os palcos que nem parecia ter tanta gente circulando pelos espaços. A chuva atrapalhou um pouco, mas nada que não transformasse a própria chuva em mais um motivo de celebração abrindo oportunidade para que shows memoráveis acontecessem.

Como sabemos, o Coquetel Molotov não acontece só no dia do festival, começa bem antes com diversas ações pela cidade (como Play The Movie e Cine Concerto) e em Belo Jardim (interior de PE) com shows, oficinas, integrando locais diversos na programação, descentralizando o público e dando oportunidade para que shows aconteçam em outros locais. Essa perspectiva é muito importante e acredito que o Coquetel Molotov é um dos únicos (senão o único) festival no Brasil que se abre nessa perspectiva. Chegando ao festival ainda de tarde era possível ver o clima de celebração e a tranquilidade de se chegar ao Caxangá Golf Club; sem engarrafamentos ou filas, foi extremamente fácil o acesso, em 10 minutos estávamos dentro do festival.

Romero Ferro e Priscila Senna no Palco Aeso.
O primeiro show de peso foi de uma lenda da música brasileira, Arnaldo Baptista. Um grande grupo já esperava como quem aguarda um acontecimento único, um herói e pioneiro do rock nacional. Já ouvíamos o coro "Arnaldo, Arnaldo" e como quem entra na sala de casa recheada de amigos, Arnaldo sentou ao piano com um sorriso no rosto e se conectou ao público automaticamente: todos estavam juntos e reunidos em uma pessoa só. Desfilando vários clássicos, o músico relembrou diversas canções dos Mutantes, além de pérolas dos seus discos solo, abrindo com a emblemática "Cê tá pensando que eu sou loki?".Seguido do Arnaldo sobem ao palco O Ternô (+ metais) fazendo um show diferente, com arranjos elaborados que com certeza cativou novos fãs e casou muito bem com o Arnaldo, já que o trio já fez uma homenagem recente tocando o disco "Loki?" na íntegra. Passando de um palco para o outro era notório a combinação do local com bastante verde com um festival de música ao ar livre com o Food Park, e intervenções de artistas visuais como VJ Mozart Santos e ao chega no Palco Aeso alguns artistas acrobatas também se apresentavam. Uma grande surpresa foi o show de Romero Ferro com uma pegada "brega cult" que já arrastava muita gente em coro. Com um visual caprichado o cantor desfilava bons arranjos com uma banda muito coesa. O ponto alto do show é quando Romero chama ao palco a MUSA Priscila Senna.

DIIV sem dúvidas foi um dos grandes momentos da noite. Com claras influências 80´s e aquela veia lo-fi, o grupo hipnotizou o público em um passeio magnético de guitarras e sintetizadores com desfile de grandes canções em um som de palco nítido e perfeito. Raras vezes a cidade do Recife teve uma apresentação com esse nível técnico. De fato uma memória para guardar. No Palco Sonic um dos grandes destaques foi a banda espanhola Hinds. Carismáticas e conversando bastante com o público entre as músicas, o grupo formado só por garotas desfilou bom humor e várias ótimas canções que têm como tema a liberdade e o emponderamento feminino. A banda apresentou influências diversas como Velvet Underground, Strokes, além de toques de Pavement. Grupos formados só por garotas não é novidade, mas o grau de profissionalismo e qualidade sonora que o Hinds trás e suas apresentações chama atenção e casou perfeitamente com toda a grade do festival. Quem sabe ano que vem não poderemos ver uma banda como Warpaint? Ficaremos na torcida.



Voltando ao palco Aeso (que acredito ter sido um dos mais legais pela proximidade dos shows com o público) tivemos uma grande apresentação do Gorduratrans. Com uma presença despojada e simples com duas pessoas no palco, a banda criou uma parede sonora bastante envolvente. Ainda não tinha escutado nada do duo, deixei para ouvir ao vivo e não me arrependi, os meninos criaram um climão atmosférico lindo. Shoegaze, garage rock, stoner, pesão, um pouco de cada coisa. O público acompanhou bastante atento (uma boa parte cantando as músicas). Acredito que ainda poderia ter ficado um pouco mais clara a voz na apresentação e talvez com o tempo a banda adicione um baixo, que sim, fez falta. Mas sem dúvidas foi uma das melhores apresentações da noite. Dois caras, bateria e guitarra e só. Com a dispersão do final do show foi a hora de conhecer e o espaço de stands. Várias coisas legais, dava vontade de comprar tudo, mas um stand em especial chamou atenção que foi o VING, espaço criado pelo músico e produtor D Mingus e da produtora e multiartista Vi Brasil. Tendo como foco o "Do it Yourself" a dupla trouxe para o Coquetel Molotov um leque de trabalhos que envolvia desde camisetas, canecas, aos discos lançados pelo selo independente Pé de Cachimbo Records.

Depois de comer um ótimo sushi no Food Park seguimos para o Som na Rural e acredito que vimos talvez o melhor show da noite: Lia de Itamaracá. O Som na Rural já é uma ação tradicional de Roger de Renor. A primeira coisa que pensei foi porque Lia não estava em um dos grandes palcos da festa? Mais pessoas poderiam acompanhar aquela maravilha da natureza que é Lia. De uma forma ou de outra me senti privilegiado de ver essa apresentação de tão perto, como quem quase está dentro do palco. Para mim essas são as melhores formas de ver um show, a proximidade passa a energia e verdade para a catarse musical. O  som enfrentou alguns problemas, mas nada que tirasse o brilho de Lia e seu grupo. Ao final de cada música que era acopanhada por cerca de 200 ou 300 pessoas eu pensava o mesmo: Lia deveria estar em um dos grande palcos, mais gente deveria ver isso. Mas como um escolhido estávamos em transe diante daquela mulher. Forte, guerreira, de olhar penetrante e voz firme, nos deu a sorte de sua presença. A chuva caia de vez em quando e seguimos para o palco Sonic ver Curumim.


O show de Curumim parecia mais um carnaval, uma frevioca destilando ritmos e alegria para todos os lados. Artista já carimbado do público, trouxe uma banda de peso com Saulo Duarte na guitarra e apresentou uma maestria de timbres e grooves. Não é à toa que Curumim é um dos músicos mais festejados da nova geração da MPB. Apostaria dizer que Curumim fez o melhor show do festival. O domínio na bateria e a coesão orgânica da banda fez o palco desaparecer, as pessoas se conectaram de uma forma musical. Interessante que essa edição do festival foi muito "familiar" no sentido de que parecia que tudo não passava de uma grande festa na casa de sala. Na sequência a apresentação que chamou mais atenção foi Linn da Quebrada. Entrando com o público na mão, desfilou como um ato político e libertador tendo a música como uma plataforma. Liberdade, diversidade, luta contra racismo, emponderamento e a comunidade LGBT foram a grande marca das apresentações que seguiram até quase amanhecer. De fato, esse ano o Coquetel Molotov conseguiu fazer o que é quase impossível para um festival em Recife fazer que é unir qualidade, grade e conforto. Que venham muitos mais anos de Coquetel Molotov pela frente! 

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